Pif Paf: nem sagrados profanos. Apenas misses presidenciáveis

Após ter sido demitido da revista O Cruzeiro, em 1963, Millôr Fernandes resolveu dar continuidade à coluna que escrevia na publicação de Chateaubriand. Assim, batizou também de Pif Paf o primeiro veículo de comunicação da imprensa carioca na resistência à ditadura militar. Fundado dois meses após o golpe, em maio de 64, o Pif Paf trazia em seu primeiro editorial a definição de que “não temos prós nem contras, nem sagrados profanos”. Na época, o grande barulho promovido pela turma de Millôr foi lançar o concurso Miss Alvorada 65, numa alusão aos candidatos à presidência. Confira a história do Pif Paf a partir de trecho do 13º volume dos Cadernos da Comunicação*.



Pif Paf, o pioneiro

O primeiro dos nanicos chegou às bancas menos de dois meses após o movimento militar de 1° de abril de 1964, fundado por Millôr Fernandes, que acabava de ser demitido da revista O Cruzeiro, onde teve uma página de humor com o mesmo nome — “Pif Paf” — por vários anos. Millôr havia saído da revista, em 1963, por pressão de alguns setores que não aceitaram uma sátira do escritor à versão cristã para a criação do mundo.

“Em 63, uns amigos começaram a me pressionar para que eu fizesse o Pif Paf autônomo, independente. Porque a minha seção na revista O Cruzeiro se chamava “Pif Paf”. Eu então fiz o Pif Paf. Digo eu porque, na verdade, levantei o dinheiro em bancos e fiz a revista, e organizei a revista, porque não havia condições das pessoas me darem mais cobertura do que a colaboração, por sinal, de alta qualidade. E esta revista, o Pif Paf, de todas as que estão por aí, inclusive O Pasquim, no qual trabalhei e outras de que participei, era uma das mais extraordinariamente estruturadas. Porque o Pif Paf não foi feito por acaso. Tinha uma estrutura, um pensamento do princípio ao fim. Foi feito para ser visto graficamente também, como um trabalho gráfico importante. E, além disso, não era um negócio pobre do ponto de vista gráfico, era feito em quatro cores. A revolução foi em 1º de abril, que eles depois retardaram para 31 de março... Eu ia sair naquele momento e esperei mais um mês. Um mês e nós saímos. E se vocês pegarem o Pif Paf vão ver que não tomei conhecimento, em absoluto, da repressão que já estava no ar. Então, tem gozações violentas em Castelo Branco, tem gozações violentas em Magalhães Pinto, tem gozações violentas em Carlos Lacerda. (...)

Nesta revista, curiosamente, como eu disse, o nível de qualidade dos colaboradores era extraordinário porque aí já estava o jovem Cláudio, o jovem Fortuna, o jovem Ziraldo... mas eles não trabalhavam comigo. Quem me ajudou por trás dos bastidores, na medida do que poderia, foi um velho amigo meu, um jornalista que morreu há algum tempo. Outra pessoa que também me ajudou nos bastidores, na medida do que era possível, foi Marina Colasanti. (...)

E a estrutura no início do Pif Paf tinha os princípios do Pif Paf que de uma certa maneira ainda são princípios humorísticos, no sentido profundo da palavra, ainda válidos até hoje, vocês vão ver. 1.Estamos convencidos de que o pior da nossa democracia é a justiça brasileira. Nossa justiça anda tão complicada, tão cheia de burocracia que, dentro em breve, ninguém mais terá coragem de ser malfeitor; 2.Pretendemos meter o nariz exatamente onde não formos chamados. Humorismo não tem nada a ver e não deve ser e não deve absolutamente ser confundido com a sórdida campanha do ‘Sorria sempre’”. (FERNANDES, Millôr. In: Imprensa alternativa & literatura: os anos de resistência)

No editorial do primeiro número da Pif Paf jornal, Millôr definia a linha da publicação e provocava: “Não temos prós nem contras, nem sagrados profanos”, “cada número é exemplar, cada exemplar é um número”. No número 2, um “jogo da democracia” exibia nomes e situações representativos do momento político nacional, em um estilo de crítica bem-humorada que perdurou durante toda a breve vida de Pif Paf.

O jornal durou apenas quatro meses — oito edições. A partir da quarta edição, instituiu um concurso imaginário, o “Miss Alvorada 65”, uma alusão óbvia aos pretendentes à Presidência da República. A causa determinante para seu fechamento pelo governo foi a publicação de uma fotomontagem do então presidente Castello Branco como mais uma suposta “concorrente”.

“O Pif Paf foi fechado por um conluio entre o governo federal e o governo estadual aqui, que naquela época era o Carlos Lacerda, com o coronel Borges que dirigia a polícia dele, e como ninguém estava satisfeito eu num certo momento não tive forças para lutar, eles começaram a apreender um número, depois devolveram o número, depois o oitavo número eles apreenderam todo e eu não tinha mais dinheiro para fazer. Eu me lembro que estava extenuado do ponto de vista físico, de trabalho que eu fazia, e com uma dívida que não sabia como pagar, realmente não sabia como pagar. Mas no dia em que eu fechei tudo, decidi fechar e fechei, e resolvi os problemas todos e formulei a dívida, me deu um tremendo alívio. (FERNANDES, Millôr. In: Imprensa alternativa & literatura: os anos de resistência)

Mais de 40 anos depois, em abril de 2005, os oito exemplares da revista quinzenal criada por Millôr Fernandes ganharam reedição fac-similar pela Editora Argumento, com organização de Eliana Caruso, em formato de livro.

(*) TEXTO EXTRAÍDO do volume 13 da série Cadernos da Comunicação, lançado pela Prefeitura do Rio em 2005.